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Devo ser machista pois acredito em Deus, não em deusa.

José Márcio Castro Alves

Almeida Junior - Paixão e tragédia.

Existem inúmeras versões sobre o trágico assassinato do pintor José Ferraz de Almeida Júnior (1850 - 1899). Os relatos são na maior parte excertos das informações do livro “Almeida Júnior através dos tempos”, do escritor Jorge Luiz Antonio, além de vários outros documentos e jornais da época.

Desde a infância o garotinho Almeida Junior já demonstraria um talento impressionante para a pintura. Teve no Padre Miguel Correa Pacheco seu primeiro incentivador, quando era sineiro da Matriz de Nossa Senhora da Candelária, em Itu, sua cidade natal. Foi o padre quem obteve, numa coleta pública, o dinheiro suficiente para que o futuro artista, já então com cerca de 19 anos de idade, pudesse embarcar para o Rio de Janeiro, a fim de ali estudar.
E foi durante uma visita à provincia de São Paulo que o Imperador Dom Pedro II, numa exposição, encantou-se com a genialidade do rapaz. Decidiu dar-lhe uma bolsa de estudos na Escola de Belas Artes em Paris. A 23 de março de 1876, um decreto da Mordomia da Casa Imperial abria crédito de 300 francos mensais para que Almeida Júnior fosse estudar em Paris ou Roma. Ao final do ano o artista seguia com destino à França, e um mês depois já estava matriculado na Escola Superior de Belas Artes, em Paris, como aluno do célebre Cabanel.
No dizer de Gastão Pereira da Silva, "era o mais autêntico e genuíno representante do tradicional tipo paulista". Quando retornou da Europa, Almeida Júnior já era um dos melhores pintores da época, rico e famoso.


(Cena de Família de Adolfo Augusto Pinto 1891)

Almeida Júnior tinha um casal muito intimo de amigos, eram eles José de Almeida Sampaio (parente do pintor) e Maria Laura do Amaral Sampaio, que havia sido namorada e noiva do pintor.
Eram tão íntimos, que Almeida Sampaio se hospedava na casa do Almeida Junior até na sua ausência. O casal residia em Rio das Pedras, na fazenda Boa Esperança, próximo de Piracicaba.
Não se sabe ao certo quando o pintor conheceu Maria Laura, jovem muito atraente.
Sampaio, homem simples, de pouca cultura, era bem mais jovem que o pintor, este rico e bem sucedido.
Historiadores arriscam dizer que na década de 1890, Sampaio já estava falido e recebia suporte financeiro de Almeida Junior, que se aproveitando da situação, passou a manter relações intimas com Maria Laura.
(O descanso da modelo 1882)

Em 1899 Sampaio soube que sua esposa fora vista entrando sozinha no atelier de Almeida Júnior, na rua da Glória em São Paulo, onde ele também residia, quando não estava viajando.
Em 10 de novembro de 1899, Almeida Júnior esteve em Piracicaba e conversou com Sampaio, dizendo pra ele que iria para São Pedro e voltaria a Piracicaba no dia 13 de novembro.
Meio desconfiado, Sampaio não acreditou. Achou que havia algo errado.
Como tinha livre acesso à casa do pintor, aproveitou a ausência e foi até São Paulo. Revirando o atelier, teve uma drástica surpresa ao encontrar várias cartas da sua mulher Maria Laura, íntimas, todas com confissões pessoais, endereçadas ao pintor. Descobriu também, através de um bilhete apócrifo, que sua mulher estava se encontrando com o pintor na freguesia João Alfredo, nas imediações de sua fazenda. Os dois eram amantes há bastante tempo.
O Violeiro 1889

A descoberta deixou Sampaio perplexo. Ficou possesso. Não se conformava com tamanha traição, das duas partes, do amigo intimo e da esposa infiel.
Na rua, disse para conhecidos que queria morrer.
Dois dias depois, Sampaio entrou no escritório do ex-presidente da República, o advogado dr. Prudente de Moraes Barros, e mostrou as cartas comprometedoras, pedindo a separação legal.
Mas, antes que qualquer coisa se resolvesse, Sampaio tomou outra decisão. Iria lavar sua honra com sangue. Não poderia suportar viver com o fato de que fora traído por sua esposa e pelo melhor amigo.
Sampaio queria vingança. Queria sangue. O sangue de Almeida Junior. Ele sabia quando e onde o pintor iria chegar.
Na tarde do dia 13 de Novembro de 1899, Sampaio se armou com uma faca afiadíssima e foi esperar a chegada do amigo, na porta do Hotel Central, em Piracicaba.
Pelo fato de que aqueles eram os últimos dias do século, havia uma grande histeria dominando a população, que acreditava que o mundo iria acabar, como sempre acontece nas viradas de século.


(Moça com livro - sem data)

Naquele dia, alguém teria dito ao pintor que o mundo acabaria.
Já eram mais de 14 horas, quando a luxuosa carruagem estacionou na frente do hotel.
Tarde ensolarada. Rua cheia de pessoas circulando por todos os lados.
Maria Laura desceu da carruagem com seus cinco filhos, acompanhada por sua cunhada, Ana Blondina.
Laura estava com 28 anos de idade.
Sampaio observava a cena do outro lado da rua. Ele estava com 37 anos.
Almeida Júnior foi o último a sair da carruagem. Trazia uma cesta em cada mão. Estava com 49 anos.
Sem o menor aviso, Sampaio partiu pra cima do pintor. Empurrou-o com violência contra a parede e disse: “Você não foi a São Pedro! Você foi a João Alfredo!” A faca afiada guardada no colete surgiu em suas mãos.

(Recado difícil 1885)

O acerto de contas havia chegado. Era o momento da vingança.
Para Sampaio era a hora de matar. Para Almeida Júnior era a hora de morrer.
Antes que pudesse reagir, o pintor levou uma facada na clavícula esquerda.
A faca atingiu uma artéria bem próximo do pescoço. O sangue do pintor esguichou.
Cambaleando, o artista tentou reagir, sacando sua faca. Mas não adiantou. Estava fraco demais e perdia muito sangue.
O golpe foipreciso, fulminante, mortal.
“Não, você não pode me matar. Você roubou a minha honra, mas não vai roubar minha vida”, gritou o assassino, enquanto o amigo tombava com o pescoço borrifando sangue.
“Estou morto, mas que homem ingrato!”, disse Almeida Júnior agonizando.
Foram suas últimas palavras. Morreu logo em seguida a caminho da Santa Casa.

Saudade 1889

Após o crime, Sampaio caminhou para o interior do hotel, onde foi preso.
Não ficaria muito tempo na cadeia. Ainda no dia 29 de dezembro de 1899, Sampaio foi absolvido por unanimidade no tribunal. A defesa alegou que a honra do réu havia sido ultrajada. O júri concordou.
Maria Laura rompeu com o marido e foi viver em Indaiatuba, onde possuía familiares. O divorcio saiu em 1902. Onze anos depois, em 1913, ela morreria.
Sampaio, depois de sair livre, liquidou seus negócios e foi viver numa fazenda em Itu. Casou–se com uma italiana, com quem teve um filho, e morreria em 1930.
Almeida Júnior, considerado até hoje pela crítica, o poeta da pintura nacional, está sepultado em um mausoléu da rua 1, quadra 23, no Cemitério da Saudade, em Piracicaba.
Existem inúmeros rumores, que dois dos quadros mais famosos pintados pelo artista, seriam premonitórios. Essas duas obras são os quadros “Saudade” e “Recado difícil”.
No primeiro quadro, Saudade, uma mulher aparece lendo uma carta, ou observando um retrato, com visível saudade. Dizem que o artista teria retratado ali, uma de suas amadas sentindo falta dele, após sua morte.
Na segunda obra, um garoto visivelmente abalado não sabe como dar uma trágica noticia para uma pessoa, que está atrás de uma porta. Segundo alguns, neste quadro, A Notícia Difícil que o garoto precisava dar era a da própria morte do pintor.
(parte dos relatos compilados do blog de Reginaldo Carlota)

O Importuno - Almeida Jr - sem data


Sobre as cartas da amada Maria Laura ao pintor que se achava em Europa...

Já desespera a demora. As recordações, as saudades não poderia dizer em toda a coisa de papel...

As cartas de Maria Laura são assinadas como "bbb". Numa delas, Maria Laura revela todo o seu desespero diante da distância e da ausência do amado. Escreve:
"Está chegando o dia do martyrio para mim, separar-me de vosse, eu fico desesperada com isso, vosse não pode calcular em que estado fico; me vem mesmo desespero, eu podia viver só na tua companhia descançada dessa gente eu que não posso mais suportar."

E outra, reveladora, mas que não mereceu, nem mesmo no processo, maiores interpretações:

"Agora, quando te verei? Vosse marque quando vem para eu te esperar porque a esperança de ter me consola da grande dor da separação. Está com seis anos a tua filhinha, eu sinto ver ella na edade de receber educação que ella não havia de ter tão boa tendo um pae como ella tem e não aproveitar(...)"
E encerrava:"Adeus! Adeus! Já não posso mais, eu quero te ver breve aqui meu Deus! Vou te esperar logo, quero demais te ver. Adeus, abrace e beije a tua eterna e terna bbb. Vai com pingos de lágrimas de saudades."

A carta da morte

A carta que Vicente de Azevedo transcreve foi escrita e enviada por Maria Laura a Almeida Júnior quando ele se encontrava na Europa:


"Meu saudosíssimo O d'alma. Quero aproveitar um dia que tenho para ver se posso fazer-te chegar às mãos nesse mundo tão diferente, as minhas pobres notícias que com o coração desesperado de imensores rancores (sic) vou te dar.Hoje, 34 dias da tua partida, e eu sem a mínima notícia de ti! Me prometeste dar notícias,até hoje, não calculas este triste coração como sente-se desesperado de mil cuidados,mil saudades,nem tenho expressões para te dar, todos os dias,de 6 a 8 dias para cá vou como louca esperar tua carta e nada,por que não escreves?
Peço-te pelo amor de Deus, dê noptícias, é uma tarefa para você, bem sei, mas calculo que é essa a única tranqüilidade e o único desabafo de um coração oprimido, meu
Deus, sem uma notícia tantos dias! Outrotanto não te acontece, talvez, que logo que chegaste recebeu a que ele te escreveu.
Dê notícias como passa de saúde, que é todo o meu interesse, que por ela me sacrifico a todos os sofrimentos,tenho pedido a Deus e estou certa que tens passado bem e
voltarás são. Felismente uma má notícia tenho a te dar dos ídolos, estão fortes e bem dispostos,a Ozinha de nossa alma cada vez mais interessante e ativa, tenho muito dó dela, não passa um dia que não fale em você, que não repita os brinquedos que muitas vezes são ouvidos com chuveiros de lágrimas que não posso contar, sendo uma expressão tão igual que parece que herdou tudo, tudo, do saudoso e querido.... O outro está muito ativo e bonitinho.
Moça lendo em Itu

Meu Deus! Agora que me vejo com quantos milhões de léguas separada, passando pelos cuidados que passo com a falta de notícias, só há de consolarme a visita destes anjinhos, fazem-me uma recordação tão dolorida que não posso conter as lágrimas de saudades a todo o momento, é bom que desabafo-me. Quando vence ainda tanto tempo, meu Deus! Venha logo, ou não posso mais, Deus me recompense com o que tanto aspiro que darei por muito feliz os sofrimentos que tenho.
Ela (NR: a cunhada) foi a I.(NR: Indaiatuba) e eu fiquei sozinha alguns dias, dei-me por feliz não ter ido, porque só desejo a solidão, quero estar só para me recordar sem estorvo, de quem é meu tudo neste mundo, quando durmo sonho e sem poder e sem saber calcular nem ao menos as horas que deve ser lá esta (sic) que passo a pensar em ti...

A amada Maria Laura...


Quero demais poder fazer esta, que só daqui a 20 dias poderá receber, meu Deus,que distância!!! Receberei notícias esta semana? Já desespera a demora. As recordações, as saudades não poderia dizer em toda a coisa de papel - vai somente para desabafar um pouco este teu pobre coração, que sentiu-se tão aliviado ao fazer seguir esta, quando receber ela alguma notícia tua eu ver que você recebeu esta, ponha um risco pequenito com a pena no canto, já eu sei que foi recebida. Tenho sofrido demais, meu Deus! - tudo é triste, tudo é feio, estes dias ao menos vou apesar tranqüila (palavra ilegível) foi ao júri e estou só aqui neste rancho, aonde em todo o canto tem uma recordação. Conte quando vem mesmo, nem gosto de pensar nos dias que faltam,faço contas todos os dias, tenho uma pressa que passem os dias que não calculas. Meu Deus já se foi o papel!!! Não me esqueço nem um dia ao acordar e a noite ao deitar-me da tua recomendação sobre os ídolos, que papel (?) o coração ainda está transbordando de saudade. Mas o que fazer?
Aceite mil abraços e beijos dos teus queridos ídolos e aceite tudo, tudo quanto pode haver de afeto, saudades loucas, tudo enfim da tua eterna 666."

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?
Fernando Pessoa


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Um comentário:

  1. Anônimo disse...

    Muito interesante a história do pintor. Lembra também outra história trágica, a de Euclydes da Cunha.
    Mas tudo só confirma o ditado: "Água de morro abaixo, fogo de morro acima, e ..."

    Erothildes Dias de Oliveira, uma criadinha às suas ordens de Batatais.
    16 de fevereiro de 2010 10:42
    Anônimo disse...

    Tivesse ele feito como eu e nada disso tinha acontecido!
    Eu gostei da Maria Helena, eu gostei da Corina, eu gostei da Dorotéia, eu Gostei da Lili Carabina, mas o que eu sempre gostei mesmo na minha vida foi de beber!
    Fernando Frank Brondi (Brotinho) - Altinópolis
    16 de fevereiro de 2010 10:49

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